Crónica de Alexandre Honrado
Força de viver: a resistência
Apesar do regresso da barbárie – entenda-se, do vandalismo indiscriminado, da violência praticada na ausência do diálogo, da cultura da morte agitada nos meios de cultura massivos, para consumo coletivo, do regresso dos slogans da velha extrema-direita e demais gente, o novo talassa, gente arreigada ao anacronismo das datas, das ideias e dos conteúdos, já sem falar de uma imprensa maioritariamente conservadora e comprometida, e do triunfo das mais torpes distopias – há, por contradição, o crescimento de bolsas resistentes onde se cultiva com firmeza a crença no progresso da civilização e da raça humana (sim, é só uma, não se iludam), onde a inteligência não seja artificial e as crianças não sejam as vítimas epiléticas da ecranização e do síndroma cancerígeno do gaming compulsivo.
Há uma força crescente que se agarra ao progresso, às fórmulas progressistas, a ideais novos e ainda não experimentados, que recusam os extremismos, que aplicam na prática a defesa dos diretos humanos, da ecologia, do europeísmo, acreditando na Europa coletiva, de uns e outros, absorvente e integradora, livre e social, empreendedora (no sentido em que nega a destrutividade insondável que alguns nos querem impor como grilhetas para o futuro).
Já percebemos há muito o modelo de sociedade mais recente: os bancos – e algumas grandes empresas – especulam e vão à falência, recorrem ao Estado para se recapitalizarem, o Estado descapitaliza-se e impõe-nos logo a seguir uma absurda carga fiscal para fazer face às perdas que os bancos fizeram do dinheiro que, na origem, era nosso. No meio disto, há que desacreditar o bem público – ensino, saúde, transportes, outros – para serem privatizados e entrarem na dança dos mercados. Até os bancos falirem, recorrerem ao Estado, que inventará novos impostos e nos sugará o lado mais seguro que poderia sair da nossa força de trabalho para nós, mas que nunca chegaremos a usufruir. O ciclo é fechado, gerido por poucos, enriquecendo muito poucos desses gestores a soldo, um sistema apoiado por comentadores que fazem suas as opiniões de quem lhes paga para opinar, usando uma montra pública que constrói a realidade passando ao lado do real. Somos alvo desse crime coletivo e, todavia, tornamo-nos cúmplices das suas atuações, encolhendo os ombros, votando em populistas de opereta, ou simplesmente virando as costas às urnas e às decisões que podiam ser nossas e deixam assim de o ser…
Resta-nos então descobrir as tais bolsas, ou balsas que se mantenham à tona, para a construção de uma sociedade mais digna e solidária, menos preocupada com a mais-valia e em contrapartida, isso sim, empenhada na mais vivida vida a que temos direito.
Sem os outros não somos nada, sem nós eles desaparecerão.
Parece tão simples, que dá vontade de acreditar e de nunca desistir, em altura alguma, dos desafios gigantescos desta estimulante batalha de existir.
Alexandre Honrado
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